Distraído como ia a mexer no telemóvel, assustei-me quando
senti alguém a aproximar-se de mim em sentido contrário. Num pequeno movimento
de corpo, desviei-me e vi apenas de relance a pessoa que por mim passou. Este
olhar não durou mais do que um piscar de olhos, mas foi o suficiente para que
todo o meu cérebro entrasse em sinapses eletrizantes ao vê-la.
Ar radiante e decidido. Uma mulher que sabe o que faz e
quer. Saia e casaco, collant de vidro e sapato alto, tudo combinado na mais
plena harmonia para cobrir um corpo perfeito. Um corpo de proporções certas: um
peito saliente, uma cintura fina de contornos delicados e umas pernas longas –
ainda mais longas devido aos saltos. Os seus cabelos eram escuros e lisos,
caindo-lhe pelo pescoço até chegarem aos ombros. Ao pescoço um simples fio com
um “M” como pendente. Margarida? Maria? Marta? Não importa! Mais do que um
possível nome o que despertou as conexões neurológicas foi a sua expressão, a
sua determinação. Como poderia tanta confiança estar confinada num rosto tão belo
e frágil? Uns olhos verdes e brilhantes, uma boca de lábios bem vermelhos,
entreaberta num sorriso, era a janela para uns dentes brancos – mais brancos
que o leite.
Imediatamente, associei aquela mulher a alguém de sucesso, a
alguém que vingou na vida, não sem antes ter provado o travo amargo do assédio
masculino, da inveja feminina e do desprezo da vida. Mas, hoje, é este portento
de mulher. Aquela que chega a casa e troca o fato e os sapatos pelo avental e
pelas pantufas, que troca a maquilhagem pelos riscos feitos pelos filhos e que
troca o perfume de marca pelo cheiro deixado no ar pela refeição que prepara
para a família. E tudo isto sem nunca deixar cair aquele sorriso ou perder o
brilho do olhar.
Senti-me quase obrigado a virar-me para trás para a olhar de
novo e, quem sabe, falar com aquela mulher que em tudo me fez ver aquilo que
sou hoje. Olhei e vi uma rua completamente deserta, ocupada apenas por um
objeto grande e fino encostado a um poste. Intrigado, contornei-o e fiquei de
frente para ele. Não consegui não sorrir. Um enorme espelho reflectia a minha
imagem, desta vez, a certa.
O júri não percebe nada disto!!! E tenho dito!!!!
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