Somos seres sem vida, veem-nos sem vida, sabendo que
encerramos, dentro de nós, inúmeras vidas. Olham para nós com o ímpeto de relegarem
as suas próprias vivências e poderem viver toda uma história diferente, poder
viver o sonho consciente ou inconsciente de uma existência paralela.
Somos seres sem vida, inanimados, adormecidos, à espera que
nos toquem da forma certa, da forma delicada, tão delicada como os movimentos
ondulantes e hipnotizantes do maestro que coordena a sua orquestra. E os nossos
braços, as nossas pernas, os nossos apêndices começam a sua dança, o seu
andamento, ao ritmo da destreza de quem nos conduz, de quem quer ser
transportado para longe das vicissitudes do dia a dia.
Somos seres sem vida, imaculados, virgens. Esperamos para
ser tatuados, para sermos transformados, para que nos marquem o corpo, sabendo
que iremos marcar uma alma. Esperamos para ser tatuados com vida, para que nos
nossos corpos se desenhem testemunhos. Só nos nossos corpos faz sentido marcar
presença, guardar segredos, relatar vidas vividas longe no tempo. Somos o grito
silencioso de quem nos tatuou com o crer de que serão ouvidos, quando para nós
olharem.
Somos seres sem vida, esquecidos, abandonados. Não sem antes
deixarmos a nossa marca, o nosso rasto, na vida daqueles que um dia ousaram
olhar para nós. E não nos contemos em revelar os segredos que em nós
depositaram, as fantasias que em nós descreveram, as vidas que em nós foram
vividas. Quando somos seres olhados, escancaramos os nossos braços, abrimos a
nossa boca, esvaziamos os pulmões, tal a vontade de contarmos qualquer coisa da
vida.
Somos seres olhados, somos seres com vida, com vidas. No
branco do nosso corpo temos traços tatuadas a tinta de caneta, a carvão de
lápis; temos as marcas de quem em nós pegou e nos vincou, de quem de nós
extraiu uma nova vida. Há quem nos chame de contadores de histórias, há quem
nos chame de livros, mas mais não somos do que, e apenas, seres olhados.
Muito bom.
ResponderEliminarEstá visto que não percebo nada disto porque gosto mais do teu do que do vencedor!
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