Olho
fixamente para este copo de vidro, com duas pedras de gelo a boiarem neste
liquido amarelo de alto teor alcoólico. Sei que preciso dele, de o ingerir
em grandes quantidades, antes que ela chegue. Não tenho dúvida que vai
explodir mais uma discussão. Mas desta vez ela tem razão, eu mereço o que
está para chegar. Depois de várias semanas de desconfianças, de conversas mal
entendidas, das suas saídas “com as amigas”, da forma bem vestida como ia “beber
só um café com a Cláudia”, não aguentei mais e segui-a. Ao vê-la entrar naquele
hotel, a falar com o recepcionista e a entrar no elevador, senti o coração
a cair-me aos pés. Entrei no hotel, perguntei o quarto para onde ela tinha
subido e foi-me dito. Subi ao sexto andar, fiquei parado em frente ao 633
durante dois minutos, a ganhar coragem para o que ia fazer, meti a mão na
maçaneta e entrei.
Vi tudo,
menos aquilo de que estava à espera. Com ela estavam alguns dos nossos amigos
mais chegados e alguns familiares. Tinha-me esquecido completamente que iriamos
comemorar mais um aniversário de casamento e ela estava, afinal, a preparar-me
uma festa surpresa, que eu tinha acabado de arruinar. Agora aqui estou, em
casa, sentado no sofá, copo de whisky numa mão e à espera que ela entre pela
porta de casa e se dê inicio a mais um episódio, cada vez mais frequente
entre nós. Ouço a chave a entrar na fechadura, fecho os olhos, inspiro fundo
e volto a abri-los.
- Mas que
merda foi aquela, Carlos? Consegues-me explicar o que foi aquilo?
- Foi tudo
um mal entendido… Um mal entendido da minha parte. Pensei que…
- Pensaste o
quê, diz!
- Pensei que
me tivesses a enganar com outro. Pensei que tivesses a apostar a nossa relação
nos braços de outro cabrão qualquer.
- Não,
Carlos. Não estava a apostar nada. Mas nós começámos a apostar a nossa vida a partir do momento que cada um de nós começou a sair de casa como se
fossemos solteiros, como se não tivéssemos que dar satisfações um ao outro.
- Eu senti a
tua falta, Marta.
- Sabes, quando
vinha para casa, depois de pedir desculpa a toda aquela gente, comecei a pensar
naquela tua…
- Entrada
triunfal?
- Entrada ridícula,
queres tu dizer! Quando foi, Carlos? Quando foi que nos começámos a distanciar?
Quando foi que as discussões começaram? Porque eu gostava de saber quando foi a
primeira vez que tu saíste por aquela porta, depois do jantar, sem me dares um
beijo e apenas disseste que ias ter com o pessoal? Porque foi também nesse dia
que eu pensei que também ia sair com as minhas amigas.
- E quando
foi?
- Oh Carlos,
e tu achas que é preciso uma resposta? Achas que é preciso fazermos arqueologia
da nossa relação para saber quando tudo começou a partir?
- Não, tens
razão.
- Serve-me
um copo de whisky.
- Queres com
gelo?
- Eu não
quero gelo! Eu quero calor, eu quero sentir paixão a arder de novo dentro de
mim, quero sentir fogo a consumir-me quando os meus olhos olham nos teus, quero
chamas quando os nossos lábios se tocam..
- Tens aqui
o teu copo.
- Não,
Carlos. Eu quero beber do mesmo copo do que tu, quero ir ao cinema, quero ficar
sentada no sofá abraçada a ti enquanto ouvimos música, quero namorar contigo,
quero fazer amor contigo… Quanto tu não estás aqui em casa, eu sinto um vazio,
sinto que me falta uma parte do corpo, da alma. Eu fico…
- Desculpa,
Marta…
E ela bebeu
aquele líquido de um trago, o seu peito aumentando e diminuindo devido à
respiração ofegante e irregular, olhando-me nos olhos com a boca ligeiramente
aberta. Avança para mim e beija-me. A sua boca está quente, a sua língua com
sabor a álcool, as suas mãos agarram-me pelo pescoço, puxando-me ainda mais
para ela. Abraço-a e sinto o seu corpo a tremer, ao mesmo tempo que emana um
calor intenso por debaixo daquele vestido curto. Será este o calor, o fogo, as
chamas que ela andava à procura? Será que foi preciso quase morrermos para
nascermos de novo. Deixo-me levar pelo momento, quero esquecer passado e viver
apenas o presente. Não me lembro da última vez que nos tínhamos beijado desta
forma tão intensa, tão sôfrega, tão… apaixonada? Sim, é paixão, desejo,
saudade, que turbilham neste beijo. Deito-a no sofá, mas ela levanta-se,
dá-me a mão e diz:
- Anda,
vamos para a cama. Esta noite quero tudo o que esteve adormecido durante tanto
tempo.
Intenso, demasiado real.
ResponderEliminarGostei muito!
Beijo
Obrigado Carlota.
EliminarA ideia era mesmo transmitir a intensidade de uma discussão, que, por acaso, acaba bem. :)
Beijinhos
Ai se fosse comigo... Esse Carlos já era! :)
ResponderEliminarAgora a sério, adorei o texto. Fez-me recordar...
O Carlos é tonto. :)
EliminarBem, se escrevo um texto com uma situação menos boa, e te faz recordar, espero que a tua recordação tenha acabado também assim.. :)
As relações estão cheias deste tipo de coisas,de momentos perdidos,de momentos achado,
ResponderEliminarCheias de tudo e cheias de nadas,o importante é que se viva a entrega no presente.no agora e se valorise o momento... olhar para o passado,mas com os olhos posto no já e no aqui... porque o amanhã esse quem sabe pode não chegar..
Beijinho grande.
Sim, as relações, tal como o comportamento humano, são imprevisiveis e têm de tudo. Coisas boas que acabam mal e coisas más que acabam bem.
EliminarResta-nos mesmo viver o presente, com um pezinho no passado e outro no futuro, mas sempre, sem darmos grandes passos de cada vez! :)
Beijinho
Ou paras de contar a minha vida ou processo-te.
ResponderEliminarhahah desculpa!
EliminarMas pensa que acabaste a noite a fazer o amor! :D
Por vezes temos de bater no fundo, para conseguirmos o impulso necessário a regressar à superfície.
ResponderEliminarJá pensaste escrever qualquer coisa a sério? xD
Foi maia ou menos o que me aconteceu com os estudos.. :)
EliminarEstes textos são coisas a sério que escrevo.
Mas de qualquer forma, dia 22 deste mês é que vou começar um verdadeiro desafio! :) por isso, as vossas opiniões são tão importantes para mim..
Reacender a paixão de facto é algo que só depende do casal :)
ResponderEliminarDesde que ambos o queiram, é uma questão de lutarem por isso.. :)
EliminarCorrecção: " Pensei que me tivesses a enganar com outro. Pensei que tivesses a apostar a nossa relação nos braços de outro cabrão qualquer." - Pensei que me ESTIVESSES (...) Pensei que ESTIVESSES.
ResponderEliminarCometes muito este engano, e é fácil de corrigir. Tive de ter, estive de estar ;)
Gostei muito.
Sim, tens razão. Acho que o erro vem de no dia a dia, quando dizemos a palavra, acabamos por não dizer o "es", pelo menos na minha pronuncia alentejana.
EliminarPor isso das duas uma, ou uso uma plica ('tivesses) ou começo a escrever a palavra bem! :)
Obrigado. :)
ps: não vou corrigir o texto para o teu comentário continuar a fazer sentido. :)
Eu não me chateio se corrigires e apagares o comentário ;)
Eliminarna na ni na não! :) é como estava, é como fica! :)
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