quarta-feira, 14 de agosto de 2013

A morte..

18:10. Piquei o ponto. Véspera de feriado, trabalhei imenso durante a semana e estava bastante cansado e só queria era sair dali. Meti-me no carro, abri as janelas, volume no máximo e arranquei em direção ao alentejo. Ponte Vasco da Gama feita a 150km/h e a mandar vir com todos os que não me saíam da frente. Acabou a ponte, acabou a estrada boa e começou a nacional. De repente fila a formar-se. Obras, pensei. Já a semana passada estava assim. As janelas continuavam abertas e a música no máximo, acompanhada pela minha voz aos berros. Recomecei a andar e vi carros a encostarem na berma, enquanto outros se desviavam para a esquerda a baixa velocidade. Vi um triangulo na estrada. Afinal é acidente, baixei o volume. Ao chegar mais perto, desliguei por completo o rádio e pensei: "Foda-se, devia ter vindo mais tarde..".

A poucos metros do triângulo, no meio da estrada, jazia o corpo de um homem. A cerca de 20metros, uma espécie de carrinha agricola ocupava quase a totalidade da estrada. Nela podia-se ver o corpo de outro homem, metade dentro e metade fora, a sair pelo vidro da frente, criando uma enorme poça de sangue no asfalto quente. Senti-me mal, senti-me inquieto e, apesar de ter olhado, quis sair dali o mais rápido possivel. O mesmo não pensaram, ou sentiram, outras pessoas. E não falo das pessoas que eventualmente presenciaram o acidente e que chamaram as autoridades e entidades competentes - que ainda não lá estavam -, falo daquele tipo de pessoa mórbida, que para na estrada para melhor ver o acidente, para melhor ver o sangue, para melhor tirar uma foto. Eles lá andavam, telemóvel na mão, a tirar fotos a tudo, quem sabe até a filmar. E eu pergunto-me qual será o beneficio, a alegria, que uma pessoa pode ter em guardar o momento da morte de alguém?

Há coisas que merecem o nosso total e incondicional respeito. A morte é uma delas. Talvez seja até o que mais merece o nosso respeito. E para além de respeito, a morte não deve ser tratada, falada, vista como uma coisa banal, que acontece a todos e que por isso não há problemas. É certo que a morte calha a todos, a morte natural faz parte do nosso processo e ciclo de vida. Nascemos, vivemos e morremos. Ponto. Mas a morte que surge do nada, a morte que colhe uma vida inesperadamente, esta morte não é banal, não é normal e merece o devido respeito. Mas, numa época em que o próprio respeito não é respeitado, é "normal" que as pessoas a vejam desta forma. A banalidade atingiu um patamar onde tudo lá encaixa: morte, sexo, respeito, dignidade das pessoas; tudo é banalizado ao máximo e tratado com uma leviandade sem precedentes. Vivemos no país de extremos cada vez maiores, não só na riqueza e na pobreza, como na consciência ou falta dela. Se há os muito ricos e ou muito pobres, depois temos os que não conseguem ter dois dedos de testa e perceber que certas coisas não se adequam a um comportamento - passando a redundância - adequado.

Se na ponte vinha a 150km/h, o resto do caminho foi feito bem mais devagar. Se a música vinha no máximo, durante o resto da viagem veio bem mais baixo. Se vontade tinha de cantar porque amanhã é feriado, essa vontade desapareceu. Não vim a viagem em silêncio, mas enquanto me lembrei, senti um aperto no estomago, sempre que via uma ultrapassagem mais perigosa, o meu coração batia mais rápido. Já vi a morte algumas vezes bem de perto, no seio da minha familia, e apesar de ter visto duas pessoas que não conheço, não consigo sequer imaginar a dor que aquelas familias vão sentir quando alguém lhes contar. Alguém terá que dizer às suas mulheres, aos seus filhos, aos seus pais, que eles não vão voltar para casa, que a viagem da vida deles terminou num momento de infortúnio. Alguém que certamente respeita a morte, alguém que certamente saberá que vai deixar alguém vivo completamente miserável e alguém que certamente não fotografa a morte como se uma paisagem se tratasse.

Desculpem este desabafo, mas custa-me saber que o respeito pela dignidade das pessoas - tanto em vida como na morte -, é, para alguns, apenas um pretexto de diversão.
Desejo a todos um ótimo feriado e, caso o queiram ir passar na praia, tenham cuidado e respeito pela estrada.

17 comentários:

  1. https://www.youtube.com/watch?v=CoUL15c3lQw

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  2. Concordo em absoluto.

    Há uns 7 ou 8 anos, ia eu na rua com o meu pai, mesmo ao pé de casa, e vimos que uma velhota à nossa frente estava a sentir-se mal. Segundos depois, antes de termos oportunidade de chegar a ela, caiu redonda no chão. Fomos socorrê-la mas já não havia nada a fazer: ataque cardíaco, confirmaram depois. Foi o meu pai que teve a infeliz tarefa de avisar o filho inclusive (a velhota tinha com ela uma agenda).

    Isto tudo para dizer: como isto aconteceu no meio da rua, ficou o circo montado durante imenso tempo. Até porque estava lá a polícia à espera do médico legista, pelo que o corpo ficou lá (ainda que embrulhado, óbvio) durante umas quantas horas. E a curiosidade mórbida das pessoas, bem como a falta de respeito perante a morte, era gritante :/

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    1. Ali também já estava o "circo" a ser montado... Homens a sairem dos carros para irem ver, deixando mulheres e filhos lá dentro!
      Não acho isto normal, a sério que não!

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  3. E os exemplos que temos da imprensa, acabam por incutir nas pessoas a tal curiosidade mórbida.
    Quantas vezes as famílias em casa acabam por ter conhecimento do acidente pelas imagens da SIC ou da TVI, que buscando o sensacionalismo, esquecem que a emoção gerada pela morte transmitida "ao vivo" e a cores, pode gerar muito sofrimento?...
    É obsceno.

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    1. Eu nem quis entrar no campo da imprensa, porque aí tinhamos conversa para dias! Mas sim, vale tudo para vender e para se ser o primeiro, o mais visto e o mais cobiçado.
      Muita coisa neste mundo tem que se repensada!

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  4. A esses curiosos sem respeito pela dor dos outros, eu costumo apelidar de "abutres". Metem-me raiva. Quando os vejo tenho uma enorme vontade de os correr a todos à paulada! Se não podem ajudar de verdade, pelo menos, deveriam ter consideração pelas vítimas.

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    1. E quantas vezes não acabam ainda por atrapalhar quem realemnte está a ajudar?
      Paulada é pouco!

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  5. A sede de querer ser o que tem, o que fez, o que viu, o que sabe, faz com se perca a noção de muitas coisas, que voltam à memória quando a coisa lhes toca.
    Enquanto não deixarmos de olhar para o nosso umbigo e levantarmos a cabeça situações destas continuaram a acontecer.
    Piores, são aqueles que falam de uma forma e que depois, no seu intimo, agem de forma contrária.

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    1. Verdade Diogo. Vivem mais para em prol de mostrar o que não são, do que viverem as suas vidas.
      Eu fiquei super incomodado com o cenário dantesco que ali estava, era incapaz de ainda ir tirar fotos àquilo!

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  6. Este tema é particularmente dificil para mim e esta situação em particular.
    apenas digo que na morte como na vida.não devemos nunca meter-nos na vida dos outros,a não ser se nos for pedido.
    um beijinho e espero-te bem!

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    1. Sem dúvida, cada um sabe de si, e só devemos intervir, na grande maioria dos casos, quando nos é pedida a ajuda.
      Estou bem, obrigado.
      Beijinho

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  7. Estive duas horas no trânsito por causa desse acidente...felizmente, quando passei o local já tinha sido resolvido. A estrada é o local mais perigoso do nosso Mundo diário, e raramente nos lembramos disto :/

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    1. Eu não tive essa sorte, e acabei mesmo por ter que ver aquilo.
      E eu, que ando tanto por ela, e que vejo tanta coisa que me deixa, literalmente, de boca aberta.

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Dá a tua aparadela..