14 de março de
1936
- Salta. – Disse
ele. – Salta, que eu agarro-te.
- Mas eu
tenho medo. – A voz dela tremia a cada palavra.
- Clara,
olha para mim. Já alguma vez te deixei cair?
- Não…
- Então o
que esperas? Salta, eu agarro-te! – E ao dizer isto, abriu os braços,
estendendo-os na sua direção.
Clara passou
a manga da camisa pelos olhos para limpar as lágrimas que lhe toldavam a visão,
esboçou um sorriso nervoso e atirou-se para os braços de Duarte. O seu vôo, com
cerca de 3metros, foi aparado por ele de forma um pouco trapalhona, mas não a
deixou cair ao chão.
Era habitual
irem brincar para aquele enorme carvalho, trepando-o e imaginando que era um
castelo que tinham que defender. E ali ficavam, perdidos no tempo, até o sol se
pôr e regressarem cada um a sua casa. Correram pelos campos repletos de flores,
pelo antigo caminho de terra batida, até chegarem a casa dela.
- Duarte,
porque é que disseste, lá, na árvore, que querias casar comigo? – Perguntou Clara,
enquanto metia as mãos nas ancas e as abanava.
- Para te
poder beijar sempre que eu quiser.
19 de Junho de
1956
- Aaai!! –
Gritava Clara.
- Força,
está quase. Já se vê a cabeça a aparecer. – Dizia a parteira.
- Duarte,
dá-me a tua mão, por favor.
Ele correu do canto do quarto onde estava e agarrou a mão da sua mulher. – Já aqui estou,
querida. Aguenta só mais um pouco. – E, olhando Clara nos olhos, disse-lhe num
enorme sorriso – Pensa na alegria que vais dar à Daniela, um irmão ou uma irmã,
que ela tanto quer.
- Que nós
tanto queremos... – Murmurou Clara, antes de lançar um último grito.
- Parabéns,
é um menino! – Congratulou a parteira, enquanto limpava o bebé, antes de o
pousar sobre o peito de Clara.
Duarte saiu
do quarto e foi buscar Daniela, a primeira filha do casal, hoje com 5 anos, à
sala. – Já podes ir ver a mamã e o teu irmão mais novo. É um menino lindo.
Daniela
correu pelo corredor e entrou no quarto, apressando-se a abeirar-se da cama.
- É o teu
mano, não é giro? – Perguntou-lhe Clara.
- Sim. – E sem
hesitar, disse. – É o meu mano Francisco.
27 de outubro
de 1997
- Lembras-te
da nossa viagem a Paris? – Perguntou Clara.
- Claro que
sim! Como me poderia esquecer? – Respondeu Duarte com ar sonhador. – Perdidos no
meio da cidade, sem saber falar uma palavra de francês, a chover e nós sem
guarda-chuva.
- Ah ah ah!
Já nem me lembrava que estava a chover. Mas agora que faço um esforço mental,
lembro-me de termos entrado no hotel completamente encharcados, a pingar água
pelo hall, a rir que nem dois doidinhos enquanto o empregado corria para nós a
dizer qualquer coisa, certamente a rogar-nos uma praga!
Duarte ria
ainda mais alto que Clara ao lembrar-se da sua lua de mel. Tinham sido 10 dias
maravilhosos, recheados de amor e desejo.
- Paris
ficará para sempre na minha memória. – disse Duarte, substituindo as risadas por um tom mais baixo
e ternurento. – Afinal, foi onde plantámos o nosso primeiro rebento. Lembro-me
de termos chegado ao hotel, já depois da meia-noite e com dois copos de
champanhe a mais, ter corrido contigo para o quarto e…
- Cof cof
cof!!.. – Duarte foi interrompido por mais um ataque de tosse de Clara.
Apressou-se a levantar-se da cadeira e ajuda-la a endireitar-se na cama para
aliviar a tosse. Há muito tempo que Clara não tinha um ataque destes. Duarte
pegou num lenço que estava na mesinha de cabeceira e entregou-lho. Continuou a
tossir durante pouco mais de um minuto e, quando tirou o lenço de frente da
boca, o branco do tecido era agora uma pequena mancha vermelha.
23 de janeiro
de 2002
"Clara, meu
amor, tenho tantas saudades tuas. Venho aqui todos os dias, a esta árvore que
em tempos foi a nossa fortaleza no céu, e olho para o teu nome, gravado nesta
pedra de mármore fria e inanimada. E logo tu que eras uma mulher tão quente e
cheia de vida. O meu coração chora sem parar desde que nos deixaste há um ano.
Não perdoo a Deus por te ter feito isto, por nos ter feito isto, por te ter
tirado de mim, dos nossos filhos. Chama-me egoísta se quiseres, mas mesmo que Ele
te quisesse a seu lado, havia outra altura para o fazer, outras maneiras de o
fazer. Maneiras mais simples, menos dolorosas. Dizem que não há morte mais bela
do que morrer durante o sono, mas eu não consigo ver beleza na tua morte, mesmo que tenhas partido durante o sono, nunca
Lhe perdoarei o sofrimento causado ao longo de 5 anos por causa daquele maldito
cancro. Eu queria-te comigo até ao fim, ao meu fim. Preferia ter morrido um
segundo antes de ti, para que nunca soubesse o que é viver sem ti. Também os
teus filhos sentem a tua falta, principalmente a Rita, que ainda não se
conseguiu recompor. Tu sabes como ela sempre foi mais frágil. Queria que te
sentasses comigo todos os dias no alpendre da casa que viu nascer os nossos três
filhos, para nos lembrarmos de tempos passados. Num último pedido teu, quase
adivinhando o que estava para vir, quiseste ser enterrada aqui, debaixo deste
carvalho enorme. Sabes, sempre que aqui venho, lembro-me daquele dia em que
tiveste medo de saltar do ramo donde já tinhas saltado centenas de vezes e eu
te disse que te agarrava. Tínhamos 10 anos e uma vida inteira pela nossa frente.
Saltaste e eu agarrei-te para nunca mais te largar. Mas vi-te a deslizar pelos
meus dedos e nada pude fazer para te agarrar, a não ser assistir à Sua piada de
mau gosto. Agora ficam-me as memórias de ti, de nós. Fica-me a memória do nosso
primeiro beijo, tão inocente e tão verdadeiro, que até me fez esquecer a imensa
dor que tinha no pé, provocada pela pisadela que me deste depois daquele teu
salto."
Fiquei com as lágrimas nos olhos. Está tão bonito :)
ResponderEliminarMuito obrigado. :)
EliminarPara a próximo faço uma coisa mais alegre. :)
Lindo!!! Gostei mesmo mesmo muito :)
ResponderEliminaragora a crítica literária: muito bem escrito, intenso e meigo ao mesmo tempo e completamente envolvente!
Fizeste chorar a Xena :(... isto não estava previsto.
ResponderEliminarNão sei porquê, lembrei-me dos meus avós, sempre tão apaixonados um pelo outro e pela vida.
Conseguiste levar-me numa viagem desde 1936 a 2002, até consegui ver a cor do cabelo do Francisco...
Foi bom demais, parabéns.
Não era essa a intenção. Mas aposto que foi um chorar daqueles bons! :)
EliminarTentei que durante a viagem fosse fácil perceber as idades deles, dando só a indicação das idades deles na ultima parte. :)
Obrigado.
Lindissmo, Mustache!! Tu fazes-te, eu bem te dizia :) Parabéns!
ResponderEliminarahaha Obrigado.
EliminarTivesse eu mais tempo para me dedicar a isto a serio, e quem sabe o que daqui não saíria. :)
Mustache, fazer chorar não fazia parte do acordo, então? :l
ResponderEliminarEstá fantástico e o texto prende muito a leitura. Parabéns :)
Ah, e mais tarde, quando fizeres um livro não te esqueças de avisar porque de certeza que eu vou comprar!
Chorar é bom e faz bem! :)
EliminarObrigado.
Se um dia escrever um livro, quem por aqui andar, recebe uma cópia autografada! :D
Muito bonito! Gostei bastante!
ResponderEliminarEstás lá Mustache :)
Obrigado anokas! :)
EliminarDos melhores que já li. Muito, muito bom!
ResponderEliminar[será que algum dia vais pegar nestes pequenos excertos dessas duas vidas e escrever os entretantos desses anos? eu ia gostar de conhecer mais da história do Duarte e da Clara :$]
Dos melhores que já leste de toda a gente, ou dos melhores que já leste meus? haha Obrigado.
EliminarCuriosamente, quando imaginei tudo isto, imaginei apenas pequenos trechos da vida deles, sem imaginar os intervalos. Mas não digo que não esteja fora de questão voltar a eles. :)
(esta noite, a ver se "trato de ti". :p)
Não sabendo o que te responder, porque já li tanta coisa, de tanta gente, e tão diferente, digo-te que dos teus foi dos melhores que já li.
Eliminar(ansiosamente à espera.... :P)
Parabéns, conseguis-te colocar todas as meninas a chorar. Isso não se faz!
ResponderEliminarBem estruturado, envolvente. Consegues fazer-nos imaginar tudo, um sorriso, um rosto, até a roupa a pingar.
Espero um dia, ter um livro teu autografado.
Adorei ler-te!
Obrigado, não era de todo essa a minha intenção. :)
EliminarEu gosto muito de imaginar os cenários que crio, e acho que consegui criar 5 cenários distintos, criando um pequeno circulo: ela a saltar a arvore; a ter o Francisco; eles no quarto a falarem do passado; a pequena situação em Paris; ele a falar com ela, debaixo da árvore de novo.
Certamente, se o escrever, receberás um! ;)
Gostei do teu bigode, acho que vou ficar à espera da outra aparadela, posso?
ResponderEliminarBeijo d'(Ela)
Olá (Ela),
EliminarObrigado e claro que podes. Será um prazer ter a tua companhia.
(Também gostei bastante do teu espaço ;))
Beijo
bemmmmm...ia chorar ao ler esta história linda que escreveste mas depois...ohhhh, depois lembrei-me que já não acredito em histórias de amor...
ResponderEliminarDam!!!!!!!
:(
Se já não acreditas, quer dizer que já acreditaste, o que pode também querer dizer que podes voltar a acreditar.. :)
EliminarGostei muito mas deixa-me criticar.
ResponderEliminarPodes escrever bem sem elaborar demais. Ninguém diz, em discurso corrente, Agora que faço um esforço mental. As partes menos crédulas do texto são os diálogos porque pouco credíveis, pouco naturais.
De resto, adorei!
Critica Chata, critica!
EliminarFoi a minha primeira incursão no mundo dos diálogo. Aliás, senti dificuldades em elaborá-los e já me indicaram erros que não posso repetir, como o da primeira frase. Mas isto vai lá com o tempo e com a prática! :)
De resto, obrigado! :)
Excelente!
ResponderEliminarDe deixar um gajo sem palavras mesmo.
Parabéns. E continua ;)
Por acaso posso dizer que Excelente é o meu nome do meio! hahahaha
EliminarObrigado, e continuarei! :D