terça-feira, 30 de julho de 2013

John..



John entrou a correr no quarto, ainda a vestir as últimas peças do fato. Tinha chegado ali 20 minutos depois de receber uma chamada.

- Mike, o que temos aqui? – Perguntou John.
- Ainda não temos a certeza. Estamos a tentar abrir a tampa. – Respondeu Mike, enquanto ajudava Thomas a desmontar a parte de cima daquela mala.
- Ok – disse John -, e quanto tempo tenho?
- Quando tirarmos a tampa, tens cerca de 5minutos. – Disse-lhe Thomas, olhando-o nos olhos.

Mike e Thomas estavam no 2º Departamento Antiterrorismo de Nova Iorque quando receberam a primeira chamada desde há dois dias. Uma mala suspeita tinha sido encontrada abandonada num hospital pediátrico. Era assim desde aquele fatídico dia de 11 de setembro de 2001: as chamadas constantes, as suspeitas, as ameaças, o pânico que se instalava, o medo. Meteram-se no carro e toda a equipa seguiu a alta velocidade em direção ao hospital. Pelo caminho ligaram a John. Era ele o perito, aquele a quem recorriam sempre, aquele que já por tantas vezes tinha salvado inúmeras vidas. Era um herói incógnito para a cidade, para o país, para uma nação, mas um super-herói para quem o conhecia.

A tampa estava agora aberta, mostrando um engenho explosivo que nunca antes tinham visto. Entreolharam-se como que a tentar perceber se alguém tinha aquela expressão de quem sabe como resolver o problema, mas tudo o que encontraram foi espanto e dúvida.

- Bem, não interessa – disse John. – Vamos deitar mãos à obra! Mike, Thomas, vejam se há fios que passem por detrás da mala e que liguem a algum sitio.

John ajoelhou-se e olhou para aquele emaranhado de fios que saiam de uma caixa com um pequeno mostrador numérico. Marcava 04:23 e descia a cada segundo que passava. John já tinha desmantelado dezenas, para não dizer centenas, de engenhos explosivos, uns com um simples movimento de um alicate, outros mais complexos e mais demorados. Mas nunca tinha visto nada como esta. Alguém tinha dedicado bastante tempo e esforço para fabricar uma bomba que tivesse grandes probabilidades de explodir.

Sendo o melhor da turma desde que tinha entrado para as forças especiais [aos 23 anos], John tentava lembrar-se agora, a todo o custo, tudo o que tinha aprendido durante a sua formação e os muitos anos de serviço. Rapidamente concluiu que teria que usar a sua intuição, que já tantas vezes se tinha demonstrado acertada, para resolver aquela situação.

- John – disse Thomas, interrompendo-lhe os pensamentos -, está tudo estragado! Existe uma ligação até à máquina dos snacks. Temos mesmo que a desmantelar aqui.
- Merda! Ao menos o hospital já está todo evacuado? – Perguntou John.
- Praticamente todo, faltam só alguns quartos da ala mais afastada daqui, mas mais minuto, menos minuto, está completamente vazio. Quer dizer – disse Thomas, olhando para ambos -, estamos cá nós.

O mostrador marcava 03:11.
- Bem rapazes – disse John -, hora de saírem daqui! Se eu não conseguir desmantelar isto antes de faltarem apenas 45 segundos, saio daqui para fora também.

Thomas e Mike fizeram um aceno com a cabeça e correram pelo corredor em diração à segurança. John estava agora completamente sozinho e era assim que gostava de trabalhar. Precisava de silêncio, de ouvir única e exclusivamente o que a bomba lhe dizia, como o seu corpo reagia a esses sons. Enquanto dava voltas aos fios, os seus pensamentos, a par de estarem centrados no que fazia, divagavam por outros caminhos: quem é que poderia ter uma mente tão perturbada que quisesse matar inocentes? Ainda por cima, crianças! Ele até compreendia que os tentassem matar a eles, que atentassem contra o governo, contra militares, mas por muito que tentasse, não conseguia encontrar uma explicação para um ato destes.

Cortou um fio, mas o relógio continuou a sua contagem decrescente como se aquele fio tivesse sido ali posto só para criar uma falsa esperança. Marcava 01:50. Tinha pouco mais de 1 minuto para a conseguir desactivar antes de ter que sair à pressa. Concentrou-se ainda mais em toda a complexidade daquele engenho. Queria vencê-lo, derrubá-lo, poder rir-se na sua cara e saber que tinha impedido a destruição do edifício e de possíveis vidas humanas. Apesar de tudo, não podia ficar indiferente a ela. Era, de facto, uma bomba completamente invulgar. Uma obra prima para quem a construiu, o maior desafio de sempre para John.

00:56

Tinha que tomar agora uma decisão. Desistir e correr dali, ou continuar a tentar e ficar sem tempo para fugir. A muito custo, deu-se por vencido e levantou-se do chão.

- John! Estás a ouvir John? – Gritava Thomas pelo intercomunicador. – Ainda está uma criança no edifício! Como está isso por aí?

John ficara estático ao ouvir aquilo. Não podia sair dali sabendo que uma criança andava por ali, possivelmente perdida e cheia de medo. Tinha que ficar!

- Encontrem essa criança! Eu vou ficar! - Respondeu apressadamente.
- Mas isso é loucura!
- A minha decisão está tomada. Encontrem-na! - E desligou o intercomunicador.

Tirou a máscara, as luvas, e despiu o fato protector, que ele sabia agora, não lhe ir valer de nada caso não desativasse a bomba a tempo. Debruçou-se de novo sobre ela, olhando de perto, desviando fios, passando a mão pelo metal frio da guarnição dos explosivos.

00:17

Corta um fio e a contagem para. Tinha conseguido, tinha vencido, todos podiam descansar. Sorria agora, um sorriso de verdadeira felicidade. Limpou a testa, alagada em suor que lhe escorria pela cara abaixo, pingando o chão e entrando-lhe para a boca. Conseguia sentir o seu sabor salgado. Olhou pela janela, para as nuvens brancas que pontuavam um céu azul intenso e pensou que naquela noite ainda iria abraçar a sua filha bebé, que ainda iria fazer amor com a sua mulher. Voltou a olhar para o mostrador e o sorriso desapareceu imediatamente. O cronómetro estava de novo em contagem decrescente. John não perdeu tempo a agarrar no alicate de corte e olhar de novo para os fios. O suor entrava-lhe agora pelos olhos, dificultando-lhe a visão. Tinha apenas 3 fios ligados ao relógio. Tinha que tomar uma decisão rápida, tinha que conseguir!

00:03

Lembrou-se que lhe tinham dito que no momento que uma pessoa sabe que vai morrer, que a sua vida lhe passa à frente dos olhos como se fosse um filme. John viu o seu pai a ensinar-lhe a jogar beisebol no quintal de sua casa; viu a sua mãe a preparar tartes de maçã, a assar perú, a dar-lhe aulas em casa; viu o seu irmão a partir para o Iraque em mais uma missão. Lembrou-se que já não o via há cerca de 7 meses e de como tinha saudades dele; viu a sua mulher Katherine a dar à luz a sua filha Denise; viu a sua filha a fazer o seu primeiro aniversário, a ir pela primeira vez para a escola, a chorar o primeiro desgosto de amor, a felicitá-la na sua graduação, a levá-la ao altar; viu os seus netos; viu que possivelmente não iria ver nada disto. Esperou que, pelo menos, a criança tivesse sido encontrada.

00:01

Uma decisão tinha que ser tomada, um fio tinha que ser cortado. Mudou rapidamente o alicate para o lado esquerdo e cortou o fio azul.
Depois, foi o silêncio total.

E por toda a cidade se ouviu uma enorme explosão.



(Aceitando o desafio da Liz, que consiste no seguinte: "Imaginar que é um especialista em minas e armadilhas e tem de desmontar uma bomba relógio em 5 minutos. Está num hospital e em jogo estão todas essas vidas. Descreva a situação num breve parágrafo do ponto de vista do especialista, transmitindo a aflição do narrador em primeira pessoa." - Não segui o desafio à regra, para melhor se adaptar ao meu estilo. Quem quiser levar o desafio, está à vontade! Liz, espero não ter desiludido! :D )

24 comentários:

  1. Hummmm.... triste.... :(

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    1. Pode ser que a criança se tenha salvado.. :)

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    2. Salvou-se? Menos mal...

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  2. Anónimo10:11:00

    Mais uma morte!! Tu andas a matar gente à força toda homem!!! Mas muito bem escrito, as always :) capaz de prender a atenção de tal forma que devia estar a trabalhar mas tinha de saber se o John conseguia desmantelar a bomba!!

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    1. Não pode ser sempre histórias com finais felizes e amorosos. De vez em quando também é bom sabermos que pode correr mal.

      E muito obrigado! :D

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  3. Clap, clap, clap...mesmo com a morte!

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    1. Obrigado! A morte aqui, era inevitável. :)

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  4. "Era ele o perito, aquele a quem recorriam sempre, aquele que já por tantas vezes tinha salvado inúmeras vidas." - porquê tinha salvado e não tinha salvo?

    Eu gostei... Foi daqueles que me fazia descer os olhos mais abaixo no texto para saber se explodia ou não :$ ahah

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    1. Para responder à tua pergunta, segue link com simples explicação. caso não queiras abrir o link, certos verbos têm dois participios, neste caso, "salvar" tem o "salvado" e o "salvo", sendo que com o verbo auxiliar ter e haver, usas o prolongado "salvado". Com o verbo ser e estar, usas o mais pequeno. :)
      http://www2.tvcultura.com.br/aloescola/linguaportuguesa/morfologia/verbos-participio-entregue-entregado.htm

      Tentei guardar o final mesmo até ao fim. No ultimo segundo podia ter cortado o fio certo.. não foi o caso.. ;)

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    2. Obrigado pela explicação - continuo a achar que não soa nada bem xD
      E tu não andas muito assassino nem nada? O.o

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    3. Como é que dizes?

      1- O João é mais bem remunerado.
      2- O João é melhor remunerado.

      Às vezes, nem sempre o que soa melhor, é o mais correto. ;)

      Epá, não pode ser só corações.. :)

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    4. Eu digo que o João é melhor remunerado que o Zé. Mais bem não me soa bem.

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    5. Anónimo16:10:00

      Todo ele estava num pulsar desenfreado! Com aquilo na mão pronto para rebentar a qualquer momento; de repente nos sucessivos pensamentos acontece o êxtase final. Isto mais parece que o John estava numa casa de banho publica.

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    6. mas é "mais bem" que se diz.. :) o "melhor" não está totalmente errado, mas o correto é a opção 1.
      Aqui a explicação de novo: http://emportuguescorrecto.blogs.sapo.pt/33536.html

      Anónimo/a, alguém tem uma mente ainda mais perversa do que a minha.. :D

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    7. Mais bem é como mais maior. Não entra na minha maneira de escrever, falar, fazer-me entender. Lamento :D

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    8. Sim, acredito nisso, às vezes soa esquisito, mas é assim a nossa lingua. Mas como também não aderiste ao AO, eu perdôo-te, tal como tu perdoas os meus "há" e "à" e os "-te" e os "te" nos sitios errados! :D

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    9. Estamos perdoados :p

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  5. Anónimo16:56:00

    Mustache onde é que tu vais buscar a imaginação???

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    1. A ideia da bomba surge de um desafio de escrita. Depois, foi pensar na situação.

      E vocês não vão querer saber como é o meu processo criativo! haha

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  6. Mataste o John??? Eu até gosto de finais tristes, finais felizes sempre tornam-se aborrecidos.

    Neste ainda estou a pensar se gostei do fim, mas é uma boa história :) Até tens jeitinho :D

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    1. Teve que ser, não quero cá heróis vivos no meu blog sem ser a minha pessoa! :D

      Ok, pensa e depois diz-me se preferias outro final, ou este final mas contado de outra forma.. :)

      E obrigado! :)

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    2. Egoísta! Só tu é que podes ser herói?

      Acho que não gostei do fim porque começaste para aí a falar da mulher do John e da filha do John e do que ele não ia viver se morresse e isso fez-me ter pena do homem. Mas criaste emoção e só por isso já valeu e pena :)

      A história é tua, o fim é teu :D

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  7. E depois do Mustache ter andado pela Blogosfera a fazer birra eis que aqui me encontro!

    Gostei. Está longo como disseste mas essa já é a tua imagem de marca! O que estava proposto está aqui: sensação de urgência, emergência, medo, expectativa e finalização. Mas mataste o John....a man gotta do what a man gotta do ;)

    Gostei

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    1. Diz lá que eu não saí um chorão do pior?! :D
      Mas queria mesmo que visses, e acho que só fiz birra em 10 ou 11 blogs onde tu vais.. :)

      Ainda bem que passei no teste. Agora é agarrar-me aos outros desafios! :)

      Obrigado Lizinha de mi corazon!

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Dá a tua aparadela..